Esposa deve indenizar suposta amante de marido por agressão em público
Esposa deve indenizar suposta amante de marido por agressão em público
Decisão teve como base julgamento com perspectiva de gênero
Ao considerar-se que a sociedade tende a responsabilizar e estigmatizar a mulher que se envolve com um homem casado, e a justificar ou atenuar a agressão cometida pela esposa traída, é fundamental que o magistrado observe os protocolos de tratamento igualitário e justo, sem preconceitos ou julgamentos baseados em estereótipos de gênero, garantindo uma decisão imparcial para todas as partes envolvidas.
É o que determina a Resolução n. 492, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). E foi o que seguiu magistrado do Juizado Especial Cível da comarca de Lages, ao julgar uma ação de indenização por danos morais proposta por uma funcionária de restaurante contra duas mulheres que a teriam ofendido em seu local de trabalho.
A autora sustentou que foi agredida verbal e fisicamente pelas requeridas, de forma completamente abrupta e injustificada. A agressão teria ocorrido no início da noite, em seu local de trabalho e em pleno atendimento aos clientes.
Na contestação, as requeridas alegaram que o esposo da primeira ré (e genro da segunda) foi colega de trabalho e teria tido um caso extraconjugal com a autora. Pontuaram que a esposa perdoou o marido e continuou casada, e que o homem pediu o desligamento do restaurante.
Ainda assim, a autora não teria deixado de procurar o ex-colega de trabalho. Por conta disso, a esposa teria se deslocado até o restaurante para conversar com a suposta amante. As rés afirmaram ainda que foi a própria requerente que passou a debochar da requerida, chamando-a de “corna” e iniciando uma discussão.
Na sentença, o magistrado cita o artigo 186 do Código Civil: aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, ficando, por força do disposto no artigo 927 do mesmo código, obrigado a reparar o prejuízo.
Mas o juiz vai além, ao entender como imperativo aplicar o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, que visa eliminar estereótipos de gênero e garantir que as expectativas sociais atribuídas a homens e mulheres não distorçam a apuração dos fatos.
O referido protocolo foi publicado em 2021 pelo CNJ, para incentivar magistrados a serem mais vigilantes em relação à desigualdade de gênero. A Resolução n. 492 do CNJ determina a observância desse protocolo nos julgamentos com perspectiva de gênero, especialmente para proteger mulheres em situações de fragilidade, nas quais possam ser vistas como hipossuficientes devido ao seu sexo.
A sentença destaca que a ré imputa à autora toda a responsabilidade por suas ações agressivas, afirmando que apenas revidou após ser insultada pela demandante na ocasião. O caso, assim, envolve estereótipos de gênero relacionados ao comportamento esperado de mulheres em situações de infidelidade conjugal.
“Tradicionalmente, a sociedade tende a responsabilizar e estigmatizar a mulher que se envolve com um homem casado, bem como a considerar justificável ou atenuada a agressão cometida pela esposa traída. É crucial neutralizar esses estereótipos para garantir um julgamento justo. A conduta violenta da requerida não pode ser justificada pelo comportamento do marido ou pelo suposto envolvimento da requerente no relacionamento extraconjugal”, sustenta.
Ainda de acordo com a sentença, as provas apresentadas – em especial os vídeos anexados – confirmam que a requerida agrediu a requerente em seu local de trabalho, causando-lhe constrangimento público e abalo psicológico significativo. Do mesmo modo, não há nenhuma justificativa legítima para a conduta agressiva da requerida, independentemente das circunstâncias pessoais e emocionais envolvidas.
Assim, a primeira ré foi condenada a pagar indenização de R$ 2 mil à autora pelos danos morais infligidos. Já a segunda ré foi absolvida por falta de provas de conduta agressiva ou humilhante.
O processo acima consta do Informativo da Jurisprudência Catarinense, em sua edição de n. 142.